sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Licitação do VLT pode ter sido marcado por jogo de interesses

 

Da Editoria - Marcos Coutinho
Foto: Reprodução/UOL
Vencedor do certame já era conhecido há pelo menos um mês antes da entrega das propostas
Vencedor do certame já era conhecido há pelo menos um mês antes da entrega das propostas
Um suposto jogo de interesse nos bastidores do próprio governo do Estado em relação à licitação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá teria sido denunciado por um assessor do gabinete do vice-governador Chico Daltro, Rowles Magalhães Pereira da Silva, segundo o qual o vencedor do certame já era conhecido há pelo menos um mês antes da entrega das propostas dos participantes.

Uma mensagem cifrada foi publicada em um jornal da capital confirmando que o Consórcio VLT Cuiabá, formado pelas empresas Santa Bárbara, CR Almeida, CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda, seria o vencedor da licitação. O Ministério Público Estadual foi informado sobre a mensagem e como decifrá-la, informa o site UOL. A abertura dos envelopes realizada no dia 15 de maio confirma o resultado.

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Pior que o jogo de interesses, Rowles Silva, que estaria exercendo um cargo comissionado da vice governadoria, revela que houve pagamento de propinas no valor de R$ 80 milhões, e teria confirmado ao UOL Esporte que há uma série de irregularidades no processo de licitação para a construção do VLT, fatos que há muito tempo vêm sendo comentados nos bastidores da política mato-grossense. Apesar da gravidade, ele não nominou quem teria recebido as propinas.

Na última segunda-feira, segundo consta da reportagem do UOL, o MP informou que também recebera a informação de que a licitação havia sido dirigida. Um denunciante, cujo nome está sendo mantido sob sigilo pelos promotores, revelou a publicação de uma mensagem cifrada na sessão de classificados do jornal Diário de Cuiabá no dia 18 de abril. O anúncio informava: “Vende-se terreno. Na avenida da Feb, entre as ruas Carlos Roberto Almeida e Santa Bárbara. Em frente ao local vai passar o VLT. CAF. (65) 9001-2012”


O MP está investigando o caso, junto com outros elementos que indicariam o possível arranjo entre os concorrentes da licitação


O jogo de interesses fica evidenciado porque, antes de ser nomeado assessor especial do governo, Rowles Magalhães Pereira da Silva representava o fundo de investimentos Infinity, doador do estudo de viabilidade utilizado para montar o edital de licitação da obra, o que pode ser considerado normal.

O Infinity teria adquirido o estudo junto à empresa estatal portuguesa Ferconsult. Rowles, de acordo com o UOL, afirma ter sido traído por membros do governo de Mato Grosso, pois teria feito a doação do estudo sob a condição de que a estatal portuguesa participasse da construção, o que acabou por não acontecer.

O documento, intitulado “projeto básico de viabilidade técnica e financeira”, projetava uma obra inicialmente orçada em R$ 700 milhões. Considerando este valor, o estudo doado por Rowles ao governo de Mato Grosso custa cerca de R$ 14 milhões, ou 2% do valor total do empreendimento, custo médio deste tipo de documento técnico, de acordo com o Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva), revela o site de São Paulo.

Veja mais sobre a reportagem do UOL

O acerto entre Infinity, Ferconsult e governo de Mato Grosso teria sido costurado em uma viagem ocorrida em maio de 2011, quase um ano antes de Rowles ser nomeado assessor especial do governo. Uma comitiva do governo de Mato Grosso foi à cidade do Porto (Portugal) conhecer o sistema de VLT do município. O governador Silval Barbosa e o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, deputado José Riva (PSD), eram alguns dos membros da comitiva, que também incluiu Rowles Magalhães Pereira da Silva, então representante do Infinity. Cerca de um mês depois, no dia 17 de junho, o fundo de investimentos doou o estudo de R$ 14 milhões ao governo de Mato Grosso.

De acordo com o assessor especial do vice-governador, o combinado era que a obra fosse executada por meio de uma PPP (parceria público-privada), em que a estatal portuguesa faria parte do grupo construtor. O que ocorreu, porém, foi um processo de licitação, cujo edital fora publicado no dia 6 de março deste ano, em que a Ferconsult não participou.

Segundo Rowles, como o estudo de viabilidade da estatal fora utilizado no edital, sua participação no certame seria contestada na Justiça pelos concorrentes, que poderiam alegar que a empresa atuava de posse de informações privilegiadas, já que o projeto colocado sob licitação era montado com base em material produzido pela Ferconsult.

Contrariado em seu interesse principal, Rowles passou a fazer lobby para que o consórcio liderado pela empreiteira Mendes Júnior saísse vitorioso do processo. Enquanto o processo licitatório corria, Rowles foi nomeado, no dia 2 de abril, “para exercer o cargo em comissão de Direção Geral e Assessoramento, nível DGA-4, de Assessor Especial II, do gabinete do Vice Governador”.

Em abril deste ano, Rowles Magalhães Pereira da Silva é nomeado assessor especial do vice governador de Mato Grosso, Chico Daltro. Menos de três semanas depois, ele foi enviado a Londres "com a finalidade de participar de reunião preparatória de futura missão de negócios"

No dia 22 de abril de 2012, após, segundo afirma, ter perdido sua segunda batalha interna no governo, Rowles procurou o UOL Esporte e afirmou que o consórcio VLT Cuiabá seria o vencedor da licitação. No dia seguinte, o blog “Prosa e Política”, da jornalista Adriana Vandoni, publicou a informação, fornecida pela reportagem do portal. No dia 22 de maio deste ano, o resultado final da concorrência, divulgado pelo governo de Mato Grosso uma semana após a abertura dos envelopes, confirmou a informação de Rowles.

Mesmo depois da conclusão do processo licitatório, Rowles continuou pressionando o Estado para que atendesse aos interesses do fundo de investimentos e da empresa portuguesa, ameaçando o secretário estadual da Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo, Maurício Guimarães, de revelar a suposta fraude na licitação.

“Eu tive uma conversa com o secretário na terça ou na segunda-feira (9 ou 10 de junho deste ano). Eu falei, ‘bicho, não é para você tentar, você se vira, você vai ter que ajeitar. Não ajeitou, é pau, o pau come’”, teria dito Rowles ao secretário, pressionando por uma compensação à Ferconsult pelo estudo de viabilidade fornecido.

Em entrevista ao UOL Esporte, o secretário Maurício Guimarães negou qualquer pagamento de propina ou fraude na licitação. A entrevista aconteceu em 20 de julho deste ano, quando o secretário foi informado sobre as denúncias de Rowles. Mesmo assim, o assessor especial é mantido no governo desde então.

“A empresa portuguesa (Ferconsult) fez o estudo de viabilidade e, através do Infinity, que tinha interesse em trabalhar com PPP na obra, fez ao Estado a doação”, afirmou Guimarães. “Mas o Estado acabou por definir que faria por si só o processo, definimos que o Estado iria executar a obra”.

Apesar de dizer que o Estado recebeu o estudo de viabilidade do Infinity sem ter jamais negociado com a Ferconsult, Guimarães admite que membros da diretoria da Ferconsult foram de Portugal a Cuiabá cobrar uma posição do governo mato-grossense.

“Eles (diretoria da Ferconsult) dizem que nós disponibilizamos o estudo deles no edital e, por isso, eles não puderam participar do processo licitatório, mas há controvérsia quanto a isso. O estudo foi doado à Secopa, se eles entenderam que por isso eles não poderiam participar do processo, eu lamento”.

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